'ESPELEOLOGIA' - Documentário em 6 episódios (1987)

A história da primeira série didática produzida em Portugal sobre o ensino e a prática da Espeleologia.

O Chico Lambreta irrompeu eufórico pela porta da nossa sede.

- Pipi, tenho uma grande novidade! - Disse de rompante.

- Viste a miss Universo? Foi? - Perguntei.

- Não brinques, que é mesmo importante.

- Então desembucha.

- Estive ontem a falar com uma produtora que faz trabalhos para a RTP e ela ficou muito interessada em produzir uma série de documentários sobre espeleologia para a televisão. O que é que achas?

- Uôhlálá! Isso é muito “bacana”.

- Posso marcar uma reunião com ela para falarmos sobre isso?

 

Foi assim que começou a, quase utópica, série televisiva 'ESPELEOLOGIA' que, durante seis semanas, foi apresentada em 1987 no canal 1 da RTP às quartas-feiras, por volta das 16 horas.

Foi de facto uma camisa de sete varas em que nos metemos, de cabeça, mesmo no escuro. Não foi tanto assim. O Raul Pedro tinha tirado a especialidade de fotografia e cinema no exército (alguma prática, mas nada de profissional).

 


Foi realizado por ele um guião, posteriormente submetido à apreciação da Direção de Programas, tendo sido assinado um contrato entre a Produtora independente Vera Spiegel e a RTP. A série foi rodada em finais de 1986 e início de 1987.

O primeiro problema a resolver foi encontrar um operador de câmara/realizador que conseguisse ir a grutas mais ou menos complicadas, para alguém sem experiência espeleológica. A escolha recaiu no Paulo Oliveira, um fotógrafo profissional, amigo, que também filmava debaixo de água e que possuía uma Paillard Bolex de 16 mm; o mínimo de qualidade aceitável para Televisão. Após duas descidas a 35 metros de profundidade, ficou deslumbrado com o que viu e também ficou com um mínimo de treino para as andanças seguintes. Aceitou o desafio.
As grutas escolhidas para filmar já tinham a particularidade de serem relativamente fáceis, sem grandes verticais e com bons acessos até próximo da entrada.

O ambiente subterrâneo é completamente escuro, mas nesse meio particularmente irregular tanto se pode progredir em locais exíguos onde o corpo mal pode passar, como em espaços onde se poderiam alinhar vários prédios de 4 ou 5 andares. Assim, um dos problemas adicionais para as filmagens foi a iluminação.

 


No exterior ficava o carro do gerador, contratado pela produtora, e a equipa de iluminação que curiosamente nunca entrou em nenhuma gruta. Todos os trabalhos de transporte, colocação de cabo e projetores de iluminação efetuados dentro das grutas foram feitos pela nossa equipa.
 
Outro aspeto relevante foi a gestão do tempo. Só era possível filmar aos fins-de-semana. A quase generalidade dos elementos da equipa do CEAE-LPN só tinha esse tempo disponível.

 A liberdade e maleabilidade permitida em documentários generalistas foi o nosso maior aliado. Em quatro episódios foi preciso adicionar pontualmente algumas cenas filmadas em outras grutas. Dois desses casos têm explicação óbvia.

A Grande Exploração, por exigência do seu conteúdo de progressão, precisou de imagens colhidas em quatro grutas diferentes. Era impensável neste contexto fílmico perder vários fins-de-semana para filmar um Algar da Lomba, um Gralhas 7 ou qualquer outra das grandes clássicas do Maciço Calcário Estremenho.

Na Missão de Socorro, por dificuldades logísticas no transporte de grande quantidade de material espeleológico e de filmagens, optou-se pela Lapa da Canada onde foi possível filmar em cenário real algumas cenas bastante dramáticas. Este episódio foi, também, rodado numa outra gruta com uma vertical de média dimensão.

 

 

Cada sessão de filmagens requeria uma equipa de apoio espeleológico especializada para equipagem geral, para colocar o operador de câmara em posição segura, em geral no ponto oposto ao local onde se ia desenrolar a ação. Outra tarefa importante era dispor a iluminação de forma apropriada, esticar e ocultar o cabo até aos locais necessários e, por vezes, resolver situações particularmente complicadas em locais de poços e corrimões suspensos. Para além disso esse material, quatro projetores de 2000w cada e os respetivos tripés eram relativamente frágeis para o meio subterrâneo, exigindo um transporte cuidadoso.
 
A mais complicada de todas estas dificuldades foi estender e retirar centenas de metros de cabo elétrico até junto ao sifão final da exsurgência do rio Almonda Velho e levar tudo o resto para a iluminação adequada das belezas das salas superiores.

 

Equipa interveniente

 

O primeiro episódio da série foi o mais exigente em termos de equipa. Para se filmar uma aula de curso foi preciso um bom número de figurantes. Felizmente, uma tarde de sábado na sede resolveu o problema.
O segundo e o quinto, pelos temas tratados, foram também outros dos episódios mais exigentes em número de participantes.

 

Episódio Equipa de apoio Atores Figurantes Total
'A Arte Espeleológica'

Aula




Gruta

Raul Pedro
João Joanaz
Francisco Santos
Francisco Ourique
Joaquim Braga
Tiago Joanaz
Guida Joanaz, Inês Vieira,
Falcão Fatela, Nuno Ramos,
Pedro Canavilhas, Paula Trindade,
Nuno Miranda, Cristina Joanaz,
Nuno Vieira, Ana Santos,
Eunice Soares, Grandão,
Miguel Pereira, Rui Taborda
20
Raul Pedro
Francisco Santos
Francisco Ourique
Nuno Miranda
Rui Taborda
Inês Vieira
Ana Santos
  7
'Prospeção do Desconhecido' os próprios atores João Joanaz
Nuno Miranda
Rui Taborda
Isabel Prado
Francisco Santos
Francisco Ourique
Pedro Canavilhas
Paula Trindade
  8
'Espeleologia Científica' os próprios atores Raul Pedro
Francisco Santos
Manuel Jorge
Eunice Soares
Francisco Ourique,
Nuno Miranda,
Nuno Vieira 
7
'A Grande Exploração' Raul Pedro
João Joanaz
Francisco Ourique
Nuno Miranda
Pedro Canavilhas
Paula Trindade
Rui Taborda
Isabel Prado
Francisco Santos
Manuel Jorge
Nuno Ramos
Eunice Soares
  12
'Missão de Socorro' os próprios atores João Joanaz
Cristina Joanaz
Nuno Miranda
Pedro Canavilhas
Francisco Ourique
Manuel Jorge
Raul Pedro
Francisco Santos
Mãe do Francisco Santos 8
'A Gruta Encantada' os próprios atores Raul Pedro
Francisco Santos
Pedro Canavilhas
Paula Trindade
Família do Sr. Oliveira, da Maxieira  4

 

A Grande Exploração (4º episódio) foi a parte mais complicada das filmagens. Aos 12 espeleólogos da equipa de apoio foram pedidos esforços suplementares em algumas alturas.

Um dos aspetos mais difíceis de gerir foi a composição de quatro dos seis filmes utilizando pedaços de grutas diversas, como já foi referido. Não existindo anotadora, foi algo complicado enquadrar os intervenientes na gruta em função do episódio a que essa parte a filmar se referia (memória permanente do guião). Há vários erros formais devidos a essa dificuldade.

A rodagem dos episódios decorreu nos seguintes locais: Salas do CEAE no antigo edifício da LPN (aulas e preparação de expedições), Cabeço da Giesteira a Norte de Pé de Pedreira (prospeção em lapiás), Lapinha do Bairro (Bairro), Algar das Duas Bocas de Lomba Ataão (Vale Alto), Eira da Pedra e Cabeça Alta (Fátima), Almonda (Casais Martanes), Gralhas 1, entrada do Gralhas 7 (Pé de Pedreira), Lapa da Canada (Amiais de Baixo), Algar da Figueira (Moitas Venda) e Cova da Moura em Marvão.

 

 

São ainda assinaláveis alguns erros de técnica de progressão, em especial nas cabeceiras de poços ou passagem de fixações. Não havia olhos para tudo nem hipótese de repetir.

As estadias da nossa equipa nunca foram em hotéis especiais. As nossas “Casas Abrigo” foram sempre muito mais familiares: Na quinta da Rainha os pais do João, da Guida, do Tiago e da Cristina Joanaz deram-nos abrigo, apoio, conforto e alguns requintes especiais sempre que trabalhávamos próximo de Alcanede, e, na Casa do Sr. Oliveira na Maxieira tivemos sempre, de toda a família, um apoio incondicional quando andávamos por Fátima e Serra de Aire.

Foi um esforço coletivo tremendo de um grupo bastante alargado de membros do CEAE-LPN que, além disso, estavam muito atarefados com as frequências nas respetivas faculdades.

Para além de todas as dificuldades inerentes à prática da espeleologia incluindo doses adicionais de material de exploração, foi preciso arranjar capacidade para conseguir esticar cabo elétrico, levar caixas de derivação e por iluminação no fundo das grutas, em especial no Almonda; de levar ao colo o realizador e pendurá-lo de forma a poder filmar de ângulo inverso as passagens mais complicadas; e ainda fazer de atores.

 

O trabalho de pós-produção, montagem e sonorização foi acompanhado ao pormenor com os respetivos profissionais de cinema em estúdio. Nesta fase foi tudo feito em tempo recorde.

 

  Raul Pedro

 

Todos os 6 episódios da série podem ser vistos na secção de vídeos deste site, ou clicando aqui.

 

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