Enquadramento do Buraco Roto - Suplemento

 

SUPLEMENTO - INTERPRETAÇÃO DOS NÍVEIS DE ÁGUA INTERNOS DO BURACO ROTO, PELA COLOCAÇÃO DE BOIAS

1 - INTRODUÇÃO

As particularidades da circulação hídrica ao longo do extenso e peculiar desenvolvimento interior da exsurgência do Buraco Roto (1200m conhecidos) criaram a necessidade de implementar um método de monitorização em toda a gruta para se tentar perceber o funcionamento dos prováveis transvases interiores ao longo da cavidade. Foi escolhido um sistema de amostragem baseado na colocação estratégica de 38 boias numeradas para a identificação, através do seu deslocamento, das condutas utilizadas e, se possível, determinar aproximadamente as cotas dos níveis internos atingidos (entre o Inverno de 2015 e a bombagem do sifão em Setembro de 2016 para se aceder aos desenvolvimentos mais interiores).

Foram recolhidas imagens (fotos e vídeos) de todos os pontos escolhidos para colocação bem como das mudanças de local aquando da verificação dos resultados e recolha dos marcadores encontrados.

Os pontos de colocação das boias revelaram-se muito importantes bem como o formato peculiar destas. Ilustramos a seguir algumas das disposições utilizadas.

  

Figura Nº 1 - Colocação das boias por vezes muito desfazadas em altitude (foto da esquerda) ou em pontos especiais como vai ser referido no texto. A foto do meio ilustra a boia Nº16 à cota de 193 metros (galeria 2014) e a foto da direita a Nº 32 à de 192 metros (Stone Age). (Fotos: Pedro Pinto).

As boias escolhidas, muito leves, com a forma de uma calha em U e numeradas na parte interna com verniz não se revelaram completamente satisfatórias no que respeita à numeração (local interno mais protegido).

     

Figura Nº 2 - Amostragem mais precisa da escala das boias (foto da esquerda). Na foto do meio ilustra-se a posição final das boias Nº 8 e 9 que foram um bom indicador para definir o nível superior atingido dentro da gruta. Foto da direita mostra três boias encavalitadas e encostadas a blocos (posição de equilibrio muito peculiar e estranha pois parece terem descaido 30 cm). Estão um metro acima da Passagem do Caos e a uma cota ligeiramente abaixo dos 190 metros. (Fotos: Marco Messias)

                                                                                                                                                         

A grande leveza das boias e a sua configuração especial acabaram por ser fatores positivos.

 

    

Figura Nº 3 - Sendo espectável o aparecimento de boias entaladas pelas subidas de nível (Nº 35) não era previsivel a sua colagem no teto por pressão (nº16 a 192m) e ainda menos lateralmente em parede. (Fotos: Timóteo Mendes).

 

Uma questão não prevista foi o resultado de abrasão provocada pela areia sobre os números e sobre as boias. A numeração foi apagada em 8 boias tornando impossível a sua identificação. Um fator favorável  foi o grande afastamento entre os vários pontos de amostragem pelo que não houve mistura de boias entre as várias zonas

 

    

Figura Nº 4 - Na zona da gruta entre a Passagem do Lançamento e o final da Galeria 2014 a abrasão da areia apagou o número de seis boias. Provavelmenta no poço da Passagem da Lengalenga foi o forte gotejamento de água com grande desnível que apagou os números de duas boias. (Fotos: Timóteo Mendes).

 

Das 38 boias colocadas somente 4 não foram recuperadas: três no meandro da Virgem Traiçoeira e uma antes da Passagem da Lengalenga. A Nº 11 só foi recuperada em 2017 mas fora da zona interior da gruta.

2 - ZONA MAIS INTERIOR DA GRUTA (parte oriental)

 

Figura Nº 5 - Localização da amostragem em Planta e Perfil na zona mais interior da gruta (parte oriental). (Topografias. CEAE-LPN).

    

   RESUMO DOS RESULTADOS

INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS OBSERVADOS NA PARTE MAIS ORIENTAL DA CAVIDADE

A posição em que foram encontradas as boias 6, 8 e 9 indicia um nível suspenso próximo dos 198m e esclarece que não deve ter havido transvase da parte interior da cavidade para a conduta principal embora por cerca de um metro. Qual a proveniência da água que inundou parcialmente a área logo a seguir ao S de Senna (a boia 7 sumiu, as 8 e 9 aproximaram-se da zona de transvase)? Tal como o aporte, o posterior escoamento deste nível suspenso (após paragem do fluxo) deve ter sido feito pela galeria descendente mais oriental da gruta. É também uma possível explicação do trajeto da boia 7 (verificar se não se encontra por essa zona logo a seguir ao ponto de colocação das boias 8 e 9). A grande quantidade de argila depositada junto à parede desta galeria próximo da posição inicial das boias 8 e 9 é um indicador da passagem, por aqui, de fluxos em situações extremas mais importantes ou devido a colmatações parciais por detritos ao nível da principal passagem de fluxo (A). Neste local não é possível perceber se estamos em presença, para lá das obstruções, de um afluente ou de uma derivação da conduta principal de aporte.

 

A galeria que se desenvolve para Sul (boias 1,2,3,4 e 5) está aparentemente fossilizada e resultou de uma evolução, desta parte da cavidade, num período em que o nível freático estaria mais elevado. Só em situações de precipitações extremas e/ou invulgares poderá voltar a ser parcialmente inundada. A cota máxima do nível suspenso no meandro da Virgem Traiçoeira será um possível elemento de comparação e esclarecimento da cota do nível suspenso destas zonas mais interiores da cavidade.

 

A manutenção da boia nº 10 na mesma zona (refeitório) em ponto lateral da conduta principal parece revelar que, nesta localização, ela ficou fora do fluxo local embora acompanhando a subida do nível. A sua posição lateral manteve-se durante o abaixamento final do nível voltando a ocupar uma posição semelhante à de colocação (a 2m de distância). A boia nº11 colocada no chão foi levada pelo fluxo inicial e ficou retida entre blocos no chão da galeria da Virgem Traiçoeira (recuperada no ano seguinte).

3- ZONA DA VIRGEM TRAIÇEIRA E MEANDRO PARA ESTE

 

Figura Nº 6 - Localizações da amostragem na zona da V irgem Traiçoeira e meandro até próximo do Refeitório: Planta e Perfil. A boia Nº 11 deslocou-se desde a zona do Refeitório até este local. (Topografias. CEAE-LPN).

OUTRAS OBSERVAÇÕES - Para além da colocação das boias foi efetuada uma marca de areia até dois metros de altura nas paredes do meandro; um pouco a montante foi encontrada uma garrafa entalada em fenda lateral do meandro a cerca de 2,50m de altura. Entalada no meio dos blocos do chão um pouco a jusante das boias 12 e 13 encontrava-se outra das garrafas de plástico esquecidas. Foi ainda feita uma recolha de areias em zona próxima da cabeceira do poço da Virgem Traiçoeira (C).

  

Figura Nº 7 - Foto da esquerda ilustra a marca de areia deixada na parede do meandro e a da direita a garrafa esquecida no refeitório que ficou entalada a 2,50 metros de altura um pouco a montante da marca de areia. (Fotos: Pedro Pinto e Marco Messias).

 

RESUMO DOS RESULTADOS

INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS OBSERVADOS DEPOIS DO POÇO DA VIRGEM TRAIÇEIRA E AO LONGO DE TODO O MEANDRO PARA ESTE

 

Era espectável que as boias 12 (a 1 metro do chão) e 13 colocadas no leito da conduta principal fossem levadas pelas primeiras águas a escorrer por esta conduta. A colocação de marcas de areia na parede até 2 metros de altura (198m) foi uma tentativa de avaliar o nível a que a água chegaria no máximo do transvase. Toda a areia desapareceu. As marcas não tinham altura suficiente. Mas a alguns metros mais para o interior foi observada uma garrafa de plástico (talvez restos de água potável esquecida no refeitório) parcialmente entalada em fenda lateral perto do teto do meandro a cerca de 2,50 metros acima do chão (cota próxima dos 198m). Neste ponto o meandro apresenta maior altura. Provavelmente foi esta a altura máxima alcançada pela água já que a garrafa se encontrava em posição horizontal. O deslocamento pouco expressivo das boias 14 e 15 revela que a cascata da Virgem Traiçoeira esteve seca e que mesmo na pequena conduta um metro abaixo da cabeceira do poço não deve ter havido fluxo (cota próxima de 199m); apenas uma pequena escorrência local. É muito provável terem sido deslocadas pela subida da água no interior do poço.

 

De forma indireta e por comparação de níveis dos aquíferos suspensos (198m), aqui e no extremo oriental da cavidade, verifica-se que a existir efeito de vasos comunicantes a ligação estará para lá das áreas conhecidas da cavidade. Assim, muito provavelmente, o nível do aquífero suspenso em ambas as zonas atingiu a cota dos 198, no máximo 198,5 metros. A situação de grande enchente que se verificou no interior da cavidade em 2016 proporcionou o nível ideal para ilustrar o funcionamento destes níveis suspensos e, da comunicação entre eles. Indica ainda que para lá das estreituras que ainda não ultrapassámos haverá uma grande probabilidade desse nível se estender com alguma amplitude mais para o interior do Planalto.

Como e porque funciona desta forma a elevação destes dois níveis suspensos?

Figura Nº 8 - Sucessão de passagens estreitas com 10 a 15 cm de largura, ao longo de dois metro de parede, por onde se faz o principal aporte de água para o Buraco Roto (foto da esquerda e central muito aumentadas).

A enorme quantidade de estilolitos e veios de calcite são importantes indicadores tectónicos. (Fotos: Pedro Pinto).

Na figura Nº 8 são observáveis 4 das fendas por onde ocorre a principal drenagem de um nível suspenso a montante. Encontram-se à cota de 190 metros e estão referenciadas na primeira planta (fig. Nº 1) pela letra A. No ponto B desse mesmo mapa à cota de 196 metros existe outra estreiteza por onde flui a água do nível suspenso interior quando ultrapassa essa cota. Quando for ultrapassada a cota dos 199 metros a montante das estreitezas A e B estes dois fluxos juntar-se-ão na zona do refeitório. O efeito de "ralo" criado pelas estreitezas passará a ser menor pelo que o fluxo poderá ser ligeiramente superior. A argila depositada na zona das boia 8 e 9 (cota 196 m) revela a importância desta conduta em situação de maior fluxo. A grande quantidade de areia depositada no troço ascendente desde as estreitezas localizadas a 190 metros (A) até ao refeitório (incluído) e em grande parte do chão do meando da Virgem Traiçoeira especialmente na sua parte oriental revela a possibilidade de ser este o principal trajeto da areia no seu transporte para a gruta.

     

Figura Nº 9 - Deposição de importantes quantidades de argilas e areias no inverno 2014/2015. Foto da esquerda argilas na zona das boias Nº 8 e 9; fotos centrais - areias no troço ascendente a jusante das estreitezas a 190 metros; foto da direita - chão do meandro da Virgem Traiçoeira. (Fotos: Pedro Pinto e André Reis).

 

Uma verificação importante quando em Setembro de 2016 se tentou ir observar as estreitezas a 190 metros foi a descida de grande parte da areia depositada no troço ascendente (atrás referido) quase obstruindo a passagem. Esta observação evidencia alguma velocidade no esgotamento, para montante  das estreitezas, do significativo volume de água que ficou suspenso após baixar dos 196/197 metros (nível de transvase para a zona da Passagem da Cabeça do Crocodilo) na parte terminal do meandro da Virgem Traiçoeira e zona descendente a seguir ao refeitório. Não é provável a possibilidade destas areias resultarem de um novo e importante aporte exclusivamente proveniente do interior desconhecido. Nesta situação a movimentação das areias já depositadas na parte ascendente deveria estar nesse local ou distribuida pela conduta a jusante (facto não verificado). O perfil deste novo depósito é concordante com o recuo das areias descrito.

Figura Nº 10 - Movimentação das areias resultante do esvaziamento para montante do nível suspenso mais interior ocorrido em 2016.  As marcas amarelas e vermelhas referênciam o espaço preenchido pelo retrocesso das areias.

Uma maior obstrução, por areias, do troço ascendente (zona contigua a A) poderá potenciar um efeito de funil fazendo subir o nível para lá das passagens estreitas (zona a montate desconhecida). Nessa situação o escape pela estriteza B é potenciado quer em termos hidrícos quer em transporte de sedimentos.

 

O nível suspenso interior na parte oriental da gruta  e em todo o longo e alto meando desde o refeitório até ao poço da Virgem Traiçoeira não deverá ultrapassar significativamente a cota dos 200m, mesmo em situações especiais, porque a partir desse nível passará a ter uma drenagem rápida em cascata por esse mesmo poço. O volume de água acumulado neste vastíssimo espaço até à cota de 198 metros teve uma drenagem, para jusante, por conduta ou condutas  que desconhecemos  localizadas na área delimitada pela elipse laranja no mapa (Planta da fig. Nº6). Só a partir da elevação ligeiramente acima dos 196/197 metros do nível superior, começa a drenagem para baixo, por essas passagens desconhecidas (zona de blocos no chão do meandro), até à pequena galeria interior para montante da Cabeça do Crocodilo (enchimento do nível inferior). Esta zona de passagem poderá ser bastante estreita ou estar sujeita a variações da localização de acumulações de areia e do seu volume pois é por aqui que se deve fazer quase todo o aporte de areias à zona a jusante da Passagem da Cabeça do Crocodilo. Uma eventual colmatação, mesmo que parcial irá permitir uma importante subida do nível suspenso acima dela. A passagem da Cabeça do Corcodilo a 181 metros acaba por ter ou complementar, aparentemente,  esse efeito pois é o único "ralo" de drenagem, conhecido, desse volume de água a nível superior. Possivelmente toda a areia  depositada a jusante passou por aqui. No entanto a recolha de areias efectuada em C ponto marcado na figura Nº 6 poderá confirmar outro ponto de passagem de areias em situações de fluxo extremas ou de uma maior colmatação na comunicação inferior para a Passagem da Cabeça do Crocodilo. Esta ocorrência poderá estar relacionada com alguns pequenos depósitos abaixo do poço da Virgem Traiçoeira e no inicio do prolongamento para Sul da galeria na sua base.

  

Figura Nº 11 - Estreiteza da Cabeça do Crocodilo. Na foto da esquerda observa-se a intensa abrasão provocada pela passagem da areia e na da direita o efeito da ação paragenética na parte superior. (Fotos: André Reis)

 

NOTA IMPORTANTE: Parece ser recorrente, para vários troços da gruta mesmo na parte antiga da cavidade, a existência a um nível inferior de um "ralo" por onde se faz a circulação do fluxo da conduta principal. A subida dos níveis a montante desses "ralos" acabou por provocar a ativação de condutas de escape que só são usadas, pela água, acima de determinados níveis suspensos a montante. Esta constatação atual terá uma interpretação completamente diferente se enquadrada na evolução da cavidade ao longo da sua história evolutiva. Os "ralos" e parte dos seus troços a montante são o resultado de uma evolução mais recente das condutas (gravidade) para que estas se aproximem cada vez mais do nível base. As antigas condutas a nível superior poderão ter tendência a ficarem desativadas. Há ainda uma elevada possibilidade de alteração das zonas de passagem do fluxo criada pela importante mobilização interna de areias. Na Cabeça do Crocodilo é notória a abrasão provocada por uma substancial passagem de detritos. Certamente existirão outras condutas, desconhecidas, a um ou mais níveis inferiores bastante colmatadas com areias por onde se fará uma percolação significativa quando os níveis suspensos na cavidade forem elevados. Em situações de grande fluxo de drenagem na exsurgência do Buraco Roto o débito bastante inferior na "nascente" da Loureira é um bom indicador dessa percolação (exsurgência próxima do Buraco Roto e cerca de 10 metros abaixo dele). Próximo dela e numa pequena extensão para sul ao logo do contacto da escarpa de falha e o terreno das hortas observam-se pequenos débitos de água que se perdem de imediato nos solos agrícolas.

Após o ciclone de 2013 foram observados fluxos significativos, embora de curta duração, brotando do solo e deixando pequenas covas nessas zonas de emissão ascendente no fundo do Vale do Malhadouro (190m).

Figura Nº 12 - Cova no fundo do vale resultante de forte fluxo ascendente de água. Com 1,20m de fundo, 2,50m de comprimento e 60cm de largura. (Foto: Raul Pedro)

 

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