Na madrugada de 13 de Abril a equipa do CEAE reuniu-se na sede, em Benfica, para os últimos preparativos antes da partida para Marvão. Havia muitos quilómetros de caminho a percorrer e uma chegada à quinta programada para as 9h30m.
Algum conhecimento geral e pontual da região, em termos geológicos, arqueológicos e espeleológicos, bem como a relativa dispersão dos pontos de interesse a serem analisados e referenciados (ao longo do aquífero de Escusa), levaram-nos a optar pela utilização de uma equipa mais vasta com 14 espeleólogos (12 CEAE, 1 NEUA, 1 AES) por forma a fazer-se uma abordagem mais abrangente. Um arqueólogo local deu um apoio precioso nessa área específica.
À chegada o rendeiro do terreno onde surgiu o abatimento, Sr. Mário Galego, aguardava-nos junto à entrada da residência da proprietária do terreno. Após alguns momentos de espera foram chegando os especialistas locais que tinham estado na apresentação pública (reportagem televisiva) da ocorrência dos volumosos abatimentos (Rui Andrade, espeleólogo do NEUA, e Dr. Nelson Almeida, arqueólogo da DRCA, ligado à Universidade de Évora). As horas não eram próprias para estabelecer todos os contactos institucionais previamente acordados, mas havia alguma urgência em iniciar os trabalhos.
A presença matinal do vereador local pela proteção civil, Eng. Luís Vitorino, permitiu-nos o contacto institucional imediato com a proprietária da Quinta, D. Maria Andrade, e simultaneamente o acesso relativamente rápido à cavidade, onde estava montado pela GNR um dispositivo de vigilância.
Já junto à boca do algar, pouco depois das 11h, efectuamos a reunião prévia de distribuição das tarefas das várias equipas.
Fig. 1 - Equipa de espeleólogos prepara-se para descer ao algar. (fotografia de Cláudia Ferraria)
A equipa de exploração (5 espeleólogos) começou de imediato os seus preparativos. Tinham pela frente uma tarefa espinhosa e delicada conforme se podia observar pela envolvente do “Buracão”. Já vinham a contar com isso.
Em paralelo, foi destacada uma equipa de prospeção fundamentalmente orientada para as exsurgências e nascentes nas proximidades dos Olhos de Água, S. Salvador de Aramenha e também para a linha de água entre Caleira e Matinho (4 espeleólogos). A meio da tarde, findo o seu trabalho, deslocaram-se para as pedreiras de Escusa para se juntarem a uma terceira equipa (eventualidade de explorações de algumas cavidades).
Essa terceira equipa realizou prospeção na envolvente alargada da nova cavidade em exploração e posteriormente deslocou-se para as pedreiras de Escusa para exploração de cavidades referenciadas e identificação de novas possibilidades (3 espeleólogos e um arqueólogo).
Nas redondezas do algar ficou uma equipa de apoio com uma missão dupla: Possibilitar uma intervenção imediata na eventualidade de uma situação de emergência na exploração da cavidade e fazer a ligação informativa do desenvolvimento da exploração com as principais entidades locais que se deslocaram ao local mais do que uma vez durante o dia (2 espeleólogos).
Fig. 2 - Equipagem do algar. (fotografia de Cláudia Ferraria)
A hora de almoço estava perto, o reboliço junto aos carros tinha terminado e até mesmo os visitantes ocasionais começaram a rarear.
A GNR aproveitou a desmobilização para ir almoçar e, com a calma que se estabeleceu, a equipa da boca do algar também aproveitou para trincar e beber qualquer coisa.
De volta à boca do algar surgiram, do interior, as primeiras informações do desenvolvimento em profundidade e da configuração e orientação dos ocos. Algumas perguntas e informações adicionais permitiram desenvolver a hipótese mais plausível da forma como o fenómeno natural se desenrolou.
Aproveitando o sossego da pausa para almoço, uma volta rápida por toda a propriedade até à estrada permitiu concluir não haver sequer pequenos rebaixos superficiais ao longo de todo o suavíssimo declive descendente nessa direcção. Aparentemente, o desenvolvimento do oco em profundidade prolongar-se-ia, para ambos os lados segundo a direcção NW-SE, já evidenciada pela forma da boca.
De ambos os lados do espaço abatido e próximo da direcção NE-SW, praticamente perpendicular ao oco, observava-se um rasto de amontoados de palha.
O primeiro visitante após o almoço a inteirar-se do andamento da exploração foi o rendeiro do terreno que esclareceu prontamente a origem do “caminho de palha”. No fim de semana anterior a 6 ou 7 de Abril tinha passado por ali a espalhar palha para o gado. Quando passou a espalhar a palha, o trator também estava carregado de lenha (por estimativa cerca de 7 000 Kg.).
Fig. 3 - Rasto de palha deixado pelo tractor, dias antes dos abatimentos. (fotografia de Cláudia Ferraria)
As peças do “puzzle” começavam a encaixar-se e a tornar cada vez mais provável a hipótese formulada sobre o modo como se tinha dado a ocorrência.
Fig. 4 - Tractor que passou pelo local, dias antes dos abatimentos. (fotografia de Cláudia Ferraria)
Logo a seguir voltou a GNR e um dos membros da patrulha informou que a cerca de 200 metros para SW, na propriedade ao lado, também tinha havido um esboço de abatimento em 2012. Apesar de já ter sido detectada uma situação semelhante na zona indicada aquando da prospecção envolvente, fomos prontamente observar o local, confirmando-se ser de facto o mesmo, mas obtendo-se informação adicional em relação à pluviosidade intensa por toda a região na altura desse acontecimento.
De volta ao local principal e junto do abatimento lateral que ainda não tem ligação com o provável oco subterrâneo, o mesmo militar referiu que este tem evoluído consideravelmente desde o início do fenómeno. Observaram o aumento do seu afundamento em cerca de um metro, e ligeiros alargamentos por colapso de pequenas fatias laterais. Eram visíveis algumas dessas fatias já com um rebaixo de 20 cm em relação à superfície.
No regresso ao local da acção, para se inteirar do desenrolar das operações, o Eng. Luís Vitorino apresentou-nos o Sr. Presidente da Câmara de Marvão, Eng. Vítor Frutuoso, que o acompanhava.
Fig. 5 - Da esquerda para a direita: Engº Luís Vitorino, Vereador da Protecção Civil; Dr. Nelson Almeida, arqueólogo da DRCA; Raul Pedro, espeleólogo e decano do CEAE-LPN; Engº Vítor Frutuoso, Presidente da Câmara Municipal de Marvão; Dra. Rosário Fernandes, arqueóloga e espeleóloga do CEAE-LPN. (fotografia de Cláudia Ferraria)
De um modo expedito foi exposta a nossa interpretação da forma como ocorreu este abatimento. Quais as causas. Quais os pontos mais sensíveis e até onde seria conveniente alargar, de imediato, a zona de interdição. Posteriormente enviaríamos um relatório mais detalhado, o levantamento topográfico da parte explorada e quais os trabalhos científicos adicionais convenientes para complementar e identificar outras possíveis localizações de risco.
A conversa prolongou-se numa amena cavaqueira sobre vários problemas locais relacionados com o ambiente e o desenvolvimento sustentado.
Na despedida, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Marvão prometeu passar por lá ao fim do dia, para indagar quais os resultados obtidos.
Acontecimento semelhante ocorrido ao longo da ocupação humana da região Há informação (provavelmente lenda) de uma ocorrência de dimensões importante durante a ocupação romana da cidade de Ammaia. Nesta altura foram “engolidas pela terra” construções, pessoas e bens nas imediações da cidade. Especula-se se existe relação entre este incidente e o próprio abandono da cidade. Hoje as ruínas, na margem do Sever, são um importante monumento arqueológico. |
Com o avanço da tarde acentuou-se o afluxo das visitas (as novidades correm depressa), e uma delas particularmente perigosa. Eram visíveis no curioso visitante, os efeitos de um almoço bem regado e a atração irresistível pelo abismo. À terceira vez que foi suavemente afastado do perigo, foi entregue a um militar da GNR com o pedido de o levar dali.
Fig. 6 - Descida ao algar. (fotografia de Cláudia Ferraria)
Entretanto as equipas de prospecção regressaram sem grandes resultados conseguidos.
O local ganhou um aspecto de romaria. A Cláudia e o Timóteo (ainda equipado) sentados num tronco caído à sombra de um esqueleto de castanheiro junto à fita de vedação, próximo do caminho, passaram a cicerones do local.
Fig. 7 - Descida ao algar. (fotografia de Cláudia Ferraria)
Regressa a equipa da SIC e fica um pouco à parte a observar os acontecimentos.
Chega o operador da câmara voadora e aproxima-se da zona controlada, começa a montar o equipamento e o Timóteo vai de imediato até lá (tinha sido ele a filmar a exploração com uma câmara igual fixada no capacete (GoPRO)).
O Ricardo dirigiu-se ao carro para vestir o fato de neoprene pois era preciso descer novamente e fazer progressão lateral ao longo da água que se acumulava no fundo do Algar. A equipa da SIC abordou-o de imediato pedindo informações. Dessa conversa resultou um pequeno atraso pois foi complicada a transferência informática das imagens colhidas no interior e solicitadas pela SIC.
A equipa da boca do algar desdobrava-se num vai e vem continuo inteirando-se do que se passava em volta e acompanhando estes desenvolvimentos referidos.
A Claúdia adoçava o seu espanhol para explicar aos impecáveis “nuestros hermanos” (nenhum ultrapassou a fita delimitadora da zona interdita) o que tinha acontecido ali e o que se estava a fazer.
As famílias portuguesas, ignorando o perigo, avançavam para a zona interdita e os mais afoitos acercavam-se perigosamente da boca do algar para tirarem a “tal foto”. Vários espeleólogos passaram a fazer, do interior, dissuasão activa a estas manobras e, por vezes, a acompanhar os visitantes mais insistentes ao ponto mais estável da envolvente da boca para uma foto.
Houve um momento de acalmia quando a Câmara voadora descolou e se posicionou sobre a cavidade. Durante alguns minutos só os olhos se movimentaram seguindo a evolução do “engenho”.
Fig. 8 - Câmara aérea. (fotografia de Cláudia Ferraria)
A equipa da SIC recolhia imagens das movimentações na boca do Algar e a dado momento passou às entrevistas. Concluído o trabalho, esta abandonou rapidamente o local.
A equipa para a progressão na água desceu com a consequente acalmia junto à boca. Este facto e a aproximação do fim da tarde criaram a desmobilização da maioria dos “mirones”.
Voltava um pouco de calma ao local. Mas a pausa foi muito curta.
Por motivos de segurança ia abortar a progressão na água. Seria uma situação normalíssima se o Ricardo não tivesse o fato de neoprene vestido ou se houvesse alguma possibilidade de despir a parte superior do fato. Não era possível. Era preciso estar sempre pendurado e a aproximação de um companheiro numa fixação podia ser arriscada para os dois.
O Ricardo subiu por si próprio simplesmente com os fechos parcialmente abertos.
À chegada a desidratação era visível. Levou logo um banho para refrescar.
Passado o contratempo e, o gasto até à ultima gota da água existente, começou a arrumação do material utilizado.
Fig. 9 - Descanso após a exploração. (fotografia de Cláudia Ferraria)
Teria de ficar por fazer algum trabalho para justificar uma visita futura.
A tarde declinava e a descida dos carros aos solavancos pelo caminho do trator foi interrompida próximo das ruínas do antigo forno de cal pelo jipe do rendeiro. Tivemos o cuidado de o informar de todos os pontos relevantes no que dizia respeito à segurança na envolvente dos abatimentos para a salvaguarda de pessoas e bens pois não receberia informação diretamente de nós posteriormente.
O burburinho gerado no portal da herdade junto à estrada chamou-nos a atenção, visto estarmos relativamente próximos, e, após rápidas despedidas, seguimos para esse ponto.
Tinham acabado de chegar as entidades locais curiosas de saber, em primeira mão, os resultados da exploração. Prestamos os devidos esclarecimentos e fizemos algumas recomendações imediatas, no sentido de melhorar a segurança, mas remetendo para o relatório final o detalhe das conclusões. O amontoado de carros na via pública já estava a impedir o transito local e as despedidas foram mesmo breves.
E o dia espeleológico iria terminar no local onde começara: a casa do Monte da Queijeira propriedade da D. Maria Andrade. Novamente uma longa conversa, desta vez com um comportamento mais calmo da nossa parte pois a pressão tinha passado. Já não havia urgência, o trabalho, desse dia, estava feito.
O sol já se escondia atrás das encostas do prolongamento Norte da serra de S. Mamede quando parámos para uma espreitadela rápida e do exterior às ruinas de Ammaia.
Então fomos a votos. Votos mesmo, votos de assembleia democrática.
Uma unanimidade mas, com alguns convencidos, no entretanto, votou no jantar coletivo no “Mil Homens”.
Estava quase tudo na mesma. Reencontraram-se amigos do passado.
Era já noite quando rumamos a Lisboa.
Esta ocorrência deu-se num ano muito chuvoso com os solos particularmente saturados. Apesar do oco subterrâneo não apresentar um desenvolvimento horizontal muito extenso, a presença de um nível de água a -47m que preenchia todo o fundo da cavidade podia ocultar outros desenvolvimentos. Assim, e por forma a verificar o comportamento do nível piezométrico neste local e em estiagem, seria obrigatória uma nova avaliação nessa altura do ano, que ocorreu a 14 de Setembro. |