Enquadramento do Buraco Roto - Parte 1 de 4

1 – Enquadramento superficial

 

1.1    – O relevo

 

1.1.1 – Introdução

 

A utilização das novas tecnologias tem permitido, nos últimos anos, um aumento de precisão nas medições cartográficas pelo que os mapas mais recentes se revelam bastante mais precisos do que as antigas cartas militares. Devido à alteração do método tornaram-se desnecessários muitos dos antigos vértices geodésicos (v.g.) auxiliares, pelo que foram ignorados. Perderam-se assim importantes referências aos topónimos locais que são muito importantes para a identificação e referenciação durante os nossos trabalhos de prospeção de campo. Por este facto e com as devidas correções altimétricas manteremos os nomes antigos, substituindo a designação de v.g. por vértice geodésico desativado (v.g.d.)

1.1.2 – Descrição do relevo

 

A povoação de Reguengo do Fetal encontra-se espalhada, predominantemente, ao longo das vertentes Sul e sudoeste de uma pequena colina (215m) encostada à vigorosa escarpa da falha do Reguengo do Fetal a qual atinge no v.g. do Caramulo (Serra da Barrozinha) os 425m e no v.g.d. do Reguengo os 414m.

Entre os dois vértices geodésicos instalou-se um valeiro de origem tectónica que fletindo para NW, próximo da base da escarpa do Reguengo do Fetal, se vai alargando progressivamente destacando a colina onde está localizada a povoação (lado Norte).

 

Foto nº 1 – Centro urbano da povoação de Reguengo do Fetal vista do topo da escarpa próximo do moinho do cabeço do Reguengo. (Foto: Raul Pedro)

 

Na vertente Este dessa pequena colina, e entre esta e a escarpa da falha, foi-se desenvolvendo uma pequena cabeceira de vale, estando a sua evolução relacionada com as drenagens no Buraco Roto, de uma outra pequena exsurgência mais abaixo e ligeiramente a Sul (nascente da Loureira), e ainda das pontuais escorrências superficiais ao longo da base da vertente da escarpa sobranceira ao vale. A Sul do ponto onde esta linha de água atravessa a povoação (cerca de 150 metros de altitude) o terreno eleva-se rápida e progressivamente até à Igreja de Nossa Senhora do Fetal (211m) prolongando-se até ao v.g.d. do Rebelo (323m). A configuração geral do local faz lembrar uma pequena “reculée” encostada à escarpa do Reguengo do Fetal.

 

A vertente SW da Serra da Barrozinha a Norte do Reguengo do Fetal perde o abrupto de escarpa de falha e, embora pertença ao cume mais elevado da zona, só vai ganhando altitude pela sucessão de pedaços de encosta ligeiramente convexos e de inclinação progressivamente mais suave até ao topo. Esta serra é limitada a Norte por um vale bastante encaixado que, prolongando-se na direção ESE, estabelece uma linha de água coincidente com a base da serra. Na vertente oposta estende-se a povoação da Torre que, empoleirada a meia encosta, perece vigiar a saída do vale. Ligeiramente a oriente desta aldeia juntam-se três pequenos vales também bastante encaixados (cotas da junção entre 250 a 260m) que compartimentam de forma radial os cabeços mais para Norte. O mais oriental, o Vale da Pedreira, estabelece a NE o limite da serra da Barrozinha separando-a do Cabeço do Marouço (420m). Prolongando-se para Este o vale faz também a separação entre o Cabeço do Marouço e o Monte da Perulheira onde, no v.g.d. da Pia, se atinge os 413 metros. Para leste da sua cabeceira estende-se o Planalto de S. Mamede, onde predominam as cotas entre 380 e 390m, com raras zonas mais deprimidas (370m) e alguns alinhamentos mais elevados (400 a 408m). Em continuação, e com o progressivo afastamento para leste, as cotas médias baixam duas dezenas de metros. No extremo Norte do território da freguesia do Reguengo do Fetal no v.g. da Maunça (435m) termina um dos mais importantes alinhamentos de cabeços desta zona. Prolonga-se para ESE e conjuntamente com o Concajido constitui a vertente Sul do bem vincado Vale das Nascentes do Lis.

Mapa nº 1 – Carta hipsométrica de parte do Planalto de S. Mamede pertencente às Freguesias de Reguengo do Fetal e S. Mamede.
 Va1, Va2 e Va3 – Valeiros de origem tectónica VS - Vale suspenso. Mapa adaptado do GeoPortal do site da Câmara Municipal da Batalha.

 

A SE do Reguengo do Fetal e imediatamente a Sul do v.g.d. do Rebelo (323m) abre-se uma impressionante “garganta seca” muito inclinada, o Vale do Malhadouro, que se prolonga para Este por um vale suspenso (Vale da Quebrada) com alguns quilómetros de extensão. Quer na vertente Norte do Vale do Malhadouro quer na vertente Sul podem observar-se alinhamentos de paredes calcárias verticais exibindo importantes formas do retoque cársico e fluviocársico que sofreram. Serão objeto de uma descrição mais pormenorizada na descrição geomorfológica. É nesta zona do vale que se localizam os abruptos mais vigorosos e escarpados que atingem em ambos os lados desníveis próximos dos 100m.

Foto nº 2 – Escarpas do Vale do Malhadouro, a pequena colina da povoação do Reguengo do Fetal
e o prolongamento do casario disperso para NW. (Foto: Fernando Pires)

 

O desenvolvimento do Vale da Quebrada para oriente até próximo da povoação de S. Mamede compartimenta, embora já de forma menos espetacular, o relevo local. A partir do v.g.d. do Rebelo e sensivelmente segundo a direção NE observa-se uma elevação progressiva das cumeadas até ao cabeço dos moinhos (396m) e continuando até ao v.g.d. do Reguengo (414m). A vertente ocidental integra a escarpa de falha de Reguengo do Fetal nas imediações da povoação. A vertente SE mais suave e recortada desce até ao Vale da Quebrada a SE do cabeço dos moinhos e para ESSE a partir do v.g.d. do Reguengo até ao Vale da Formosa. A cabeceira do Vale da Formosa, circundada por encostas bastante suaves quer a Este quer a Oeste, é limitada a Norte pelo Monte da Perulheira e o respetivo prolongamento até à povoação da Perulheira. A orientação geral é E-W mas na extremidade Oeste deste cabeço esboça-se um prolongamento para SW até um colo próximo dos 400m onde confluem os três alinhamentos desta parte do relevo local: o agora descrito, o da Serra da Barrozinha (NW-SE) e o do v.g.d. do Reguengo (NE-SW). A parte mais a Norte da vertente oriental do Vale da Formosa enquadra-se já no Planalto de S. Mamede. Na parte Sul e nas proximidades da sua confluência com o Vale da Quebrada o alinhamento dos topos com orientação N-S mantem a cota próximo dos 380m e faz a separação para o pequeno Vale da Seta localizado imediatamente a oriente. Dos 329 metros de altitude a que se encontram algumas casas desta povoação a Sul da estrada principal eleva-se rapidamente uma vertente mais inclinada com orientação E-W até ao v.g.d. do Preso (413m). A suave vertente a Este deste cabeço enquadra-se já no Planalto de S. Mamede. A Sul deste vértice geodésico, no Covão da Carvalha, localiza-se a cabeceira do Vale da Quebrada que aqui e num importante e estreito prolongamento para Sul morde o bordo do planalto até aos 350 metros terminando a leste da povoação da Lapa Furada.

 

A vertente Sul do Vale da Quebrada é bastante menos recortada e apenas por pequenos valeiros bastante declivosos: o mais oriental a NW da Lapa Furada orienta-se segundo essa direção e desce rapidamente das cotas do bordo do Planalto (370m) para as cotas do talvegue na parte intermédia do Vale da Quebrada (310m), o segundo com início ligeiramente a Oeste do v.g.d. da Andorinha (442m) é menos vincado desce até aos 300 metros no Vale da Quebrada. Do v.g.d. da Serra da Andorinha ponto culminante e sobranceiro da vertente Sul do Vale da Quebrada partem dois alinhamentos de cabeços que fazem, embora só parcialmente, parte da vertente Sul deste vale. Um alinhamento para SE (428, 432, 421m) até Norte da povoação do Covão do Espinheiro e outro para SW (435, 442m) até à cabeceira do Vale dos Ventos. O prolongamento para NW correspondente ao Cabeço do Poio (400m) a Oeste do v.g.d. da Serra da Andorinha constitui a parte final da vertente Sul do Vale da Quebrada. Pelo seu retoque cársico e fluviocársico a parte final do Vale da Quebrada (Vale do Malhadouro) será também objeto de descrição mais pormenorizada no enquadramento geomorfológico.

 

O Vale dos Ventos, vale alongado com orientação NW-SE, muito encaixado e com declive acentuado, terá também uma análise geomorfológica mais detalhada. A sua cabeceira é uma ampla e recortada depressão com cotas a rondar os 400 metros de altitude. É limitada a Norte pelos dois alinhamentos de cabeços descritos para a Serra da Andorinha, a SW pelo cabeço da Murada (498m), a SE e S pelo Cabeço dos Picareiros (495m) e do seu prolongamento para ENE (459) e continuando segundo um novo alinhamento NNE (452, 449, 425m).

 

Para Sul do Vale dos Ventos a Escarpa de Falha de Reguengo do Fetal vai ganhando progressivamente mais vigor mantendo alguma uniformidade. A SW do cabeço da Murada e para lá do limite concelhio pode observar-se um interessante vale suspenso a 400 metros de altitude.

Fig. nº 1 – Esboço de MARTINS, F. (1949) de Vale suspenso

Em jeito de conclusão referimos as considerações de MARTINS, F. (1949): ”o abrupto da falha de Reguengo do Fetal ergue-se alteroso, com vales suspensos e profundos golpes de gargantas de ligação, a dar a esse bordo poente do planalto de São Mamede uma imponência orográfica”.

1.2 – A compartimentação topográfica

 

A escarpa de Falha de Reguengo do Fetal pela sua pujança e continuidade relativamente uniforme revela-nos a importância das influências orogénicas e estruturais no estabelecimento dos dois principais níveis topográficos:

 

a) A ocidente do bordo do Planalto e para Norte da Carreirancha a suave ondulação do relevo vai perdendo progressivamente altitude ao longo das ribeiras que se orientam nessa direção. Os pontos mais elevados localizam-se junto à base da escarpa e correspondem aos retalhos cretácicos de Reguengo do Fetal e da Torre. Para MARTINS (1949): “ nada mais são do que os restos de uma formação detrítica que foi desmantelada por uma recidiva de erosão: e, como acontecia que o Belasiano estivesse em contacto anormal com os calcários duros do Dogger, o plano de falha foi exumado, evolução que mais não representa do que uma simples adaptação à estrutura. Para o Sul do Reguengo as formações calco-argilosas do Kimeridgiano em continuidade tectónica com as rochas batonianas tiveram o comportamento de material brando e proporcionaram também a exumação”. Mais a Sul é a Tojeira (298m), cabeço em calcários do Oxfordiano no prolongamento do flanco Este do anticlinal de Alqueidão, o ponto mais elevado. Ainda mais para ocidente e ao longo do Vale do Lena é o acidente tifónico que trousse à superfície as margas do Hetangiano bastante mais brandas a justificar o aplanamento do relevo. A ocupação humana e a dispersão tornam-se mais importantes para lá dos terrenos onde afloram calcários do Jurássico Superior a Sul e a Oeste de Reguengo do Fetal. Para Norte desta povoação essa ocupação e dispersão já é mais acentuada.

Fig. nº 2 - Principais aspetos da compartimentação topográfica no bordo NW do Planalto de S. Mamede.
Tomada de vistas orientada exatamente de Norte para Sul. Imagem Google Earth.

 

b) No seguimento da escarpa de falha e para oriente estende-se o Planalto de S. Mamede. Agora também é pertinente a observação de MARTINS (1949): ” As superfícies de nivelamento conservadas não são muito extensas e algumas estão reduzidas a testemunhos; ainda assim a importância delas na topografia do Maciço impõe-se imediatamente a quem, depois de galgar a escarpa do Reguengo, se quede na contemplação da plataforma de Fátima”. Para além dos níveis reportados e bem definidos por Fernandes Martins (nível das Pias a 508m e Plataforma de Fátima a 350m) interessa-nos especialmente o nível intermédio que ele designou por nível do patim. O nível das Pias que abrange os confins da Freguesia de S. Mamede muito próximo de Lagoa Ruiva e que engloba também os cabeços de Vale de Barreiros (501m), de Marvila (520m), de Vale do Sobreiro (523m), Lama Gorda (514m) e Cabeço da  Giesteira (520) entre outros, na envolvente, está profundamente carsificado e só alguns cabeços com cotas a rondar os 500m parecem ser zonas residuais como descrito por MARTINS (1949), (pág. 118). O nível das Pias descrito por este autor (Fig. 8 – nossa Fig. Nº 3) reporta-se à observação segundo uma direção NE (Ourém/Fátima) – SW (Cabeço de Pias).

Fig. nº 3 - Principais aspetos da compartimentação topográfica no limite Sul do Concelho da Batalha. MARTINS, F. (1949).

 

De notar que no topo esquerdo da figura referida (NW da uvala da Demó) já se encontram representados os cabeços mais elevados na zona Sul da freguesia do Reguengo do Fetal (Picareiros - 495m e Murada – 498m). No vale suspenso a Sul do cabeço da Murada e com cabeceira em Chão Falcão a carsificação também teve intensidade pois apresenta duas células cársicas ou depressões (embora menos evoluídas) do tipo sotch – como as da Lagoa Ruiva ocupando-lhe os fundos (Martins 1949 - Pág. 135). No parágrafo a seguir o autor apresenta uma caracterização do significado morfológico dos vales secos na orla do maciço que permite enquadrar, física e temporalmente, os restantes vales que transpõem a Escarpa de Falha de Reguengo do Fetal ao longo desta freguesia: “ A nítida diferença das condições hidrográficas e dos perfis transversais e longitudinais que se verificam entre os vales em V e os de vertentes convexas, por um lado e os em U aberto, por outro, levam-me a concluir que os últimos são ainda o testemunho da evolução morfológica dos tempos terciários, velhas formas que as características particulares de uma estrutura calcária deixaram persistir, ao passo que os primeiros, mais jovens e não desorganizados por dolinas, refletem já a evolução cíclica quaternária, confinada, é certo, ao âmbito dos vales”.

Fig. nº 4 – Vales que entalham o bordo NW do Planalto de S. Mamede na Freguesia de Reguengo do Fetal: 1 - Vale das Nascentes do Lis,

2 – Vale da Pedreira, 3 – Valeiro tectónico 4 – Vale da Quebrada, vale suspenso, 5 – Vale dos Ventos, vale suspenso,

6 – Vale suspenso. Imagem Google Earth.

 

A antiga rede fluvial está bastante bem definida nesta parte marginal do Planalto mas à medida que nos afastamos do seu rebordo e para Este a carsificação superficial vai tornando cada vez mais confusa a sua identificação. Estamos no prolongamento para NW do nível do patim referido por Fernandes Martins.

 

A ocupação humana, no Planalto é menos dispersa, alongando-se junto às principais vias de comunicação ou ocupando amplas zonas depressionadas mais favoráveis ao amanho das terras. A fixação da algumas pequenas indústrias e de comércio anima as zonas mais humanizadas.

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